A indústria criminosa e abortiva do Cytotec: a luta para salvar ao menos uma das vidas - PinheirOnline

Post Top Ad

Responsive Ads Here
A indústria criminosa e abortiva do Cytotec: a luta para salvar ao menos uma das vidas

A indústria criminosa e abortiva do Cytotec: a luta para salvar ao menos uma das vidas

Share This

Era só mais um plantão entre milhares realizados em mais de quatro décadas como obstetra. 

Mesmo com tanta experiência, o médico Francisco Medina garante ter se assustado com a gravidade do estado de saúde da adolescente de 15 anos que deu entrada com uma forte hemorragia no Pronto Atendimento do Hospital Nossa Senhora da Conceição de Piratini.

O choro e os gritos incessantes da paciente fizeram o médico fazer repetidas vezes o mesmo pedido à menina, usando um forte argumento: “por favor, você está morrendo, conta o que foi que você fez.”


Sem nenhuma resposta e a constatação através de exames superficiais de que o útero carregava um feto quase já sem vida, a equipe médica se concentrou em estancar o sangue que fluía em grandes quantidades. O êxito nos procedimentos acalmou a garota. Assim, à uma enfermeira ela confirmou as suspeitas do obstetra: o abortivo Cytotec havia sido usado para interromper a gestação causada pelo estupro do padrasto enquanto a mãe trabalhava. Foram quatro comprimidos, certamente comprados pelo acusado pelo crime, e que tiveram a ajuda dele para serem ingeridos.

O caso ocorreu em 15 de janeiro deste ano e, na cidade, reacendeu a discussão em torno da indústria clandestina e criminosa do aborto, crime perante o Código Penal.  “Antes de enviá-la para o Hospital São Francisco de Paula, em Pelotas, para que tivesse o sangue perdido restituído e também para a limpeza do útero. Travamos uma batalha para salvar a vida dela”, relata o médico. “Foi violento. Ela estava com treze semanas e meia de gestação e sem dúvida afirmo que essa paciente esteve na berlinda, pois sua pressão arterial foi a sete por quatro”, amplia.

Ele explica que o medicamento fabricado para tratar doenças gástricas, mas que foi proibido no Brasil há mais de duas décadas porque entre os efeitos colaterais estão cólicas fortíssimas, contrações uterinas aceleradas e descolamento da placenta, hoje tem outra versão, o Misoprostol, com o mesmo princípio ativo, fornecido apenas para unidades de saúde que tenham Centro Obstétrico, só podendo ser indicado e usado pelo especialista e em doses que sigam uma cartilha distribuída pelo Ministério da Saúde. Isso leva a crer que, a dosagem ingerida pela menina pode ter sido quatro vezes maior que a recomendada. “Durante minha vida profissional atendi dezenas de casos como este. Elas raramente confessam que fizeram o uso do Cytotec, mas, pelos sintomas, a gente percebe. Já vi muitas jovens morrerem enquanto eram atendidas”, conta.

Pop Center é um dos locais onde o medicamento é vendido de forma ilegal
Pelotas ajuda a abastecer mercado negro do abortivo na região

Mas se há mais de duas décadas o Cytotec que, até então era facilmente comprado no balcão da farmácia, teve sua fabricação proibida no Brasil, como o mercado negro do medicamento é mantido?

Para tentar responder a pergunta, o Jornal Tradição Regional foi à procura de quem é apontado por quem já usou os comprimidos.

Em 13 de fevereiro, a reportagem foi ao centro comercial que hoje abriga os comerciantes do antigo camelódromo, onde se fez passar por um cliente interessado em adquirir. Ao ter contato na primeira banca sobre o assunto, o alerta: “Toma cuidado. Aqui dificilmente tu vai achar quem admita que tenha, porque já andou dando muita zebra com a polícia”.

Depois de duas novas tentativas sem sucesso, a reportagem encontrou um jovem que rapidamente afirma: “Eu te consigo”.  Durante a conversa que não durou mais de dois minutos, ele pede que aguarde e se desloca até outra banca no mesmo corredor. Cerca de três minutos depois, retorna e pede um pouco mais de paciência, pois quem armazena os comprimidos é um colega. Este chega rapidamente e logo questiona de quanto tempo é a gestação. “Cinco meses. Será que é muito perigoso?”, responde o repórter.

Se mostrando um tanto preocupado, ele responde que o ideal é até o quarto mês de gestação, mas que tem uma amiga que, mesmo no quinto mês de gravidez, conseguiu abortar. “Ela tomou quatro comprimidos que é o que indicamos. Não adiantou, já que não saiu tudo, então tomou mais dois e conseguiu, mas foi parar no hospital”.

O repórter diz que vai arriscar, e ele apresenta seu preço: R$ 50 cada drágea. A entrega fica combinada para meia hora depois. Obviamente, o repórter não retorna para concretizar o negócio.

Em contato com outro comerciante em Piratini que afirma ser muito procurado para a compra do produto, se descobre que o medicamento é trazido de países de fronteira, como Paraguai e Uruguai, onde é facilmente comprado sem nenhuma exigência.

A coragem para usar e o arrependimento depois de três abortos

Durante a investigação a reportagem teve acesso a uma mulher, hoje com 38 anos, que já se livrou de gravidez indesejada três vezes ao fazer uso dos comprimidos.

Mãe de dois filhos, um ainda de colo, casada e bem distante da vida que levava ao ficar grávida de pais diferentes e com quem não tinha um relacionamento estável, motivo que alega que a levou a abortar, ela, que aceitou conversar apenas pela internet, conta que aos 23 anos praticou o primeiro aborto. “Uma amiga me conseguia os comprimidos. Nunca soube como e onde. Eu sempre usei dois. Um eu tomava e o outro a gente coloca na vagina. Mas tudo isso depende de cada organismo, pois conheço mulheres que tomaram vários e não adiantou”, relata.

Segundo suas experiências, os efeitos colaterais começam com cólicas que, com o passar das horas, ficam mais fortes, até que tem inicio a hemorragia, sinal de que o feto está sendo expulso do útero.

Sabrina (nome fictício), disse que o sangramento e as dores são tão intensos que, nas três oportunidades que fez uso, sempre precisou ser internada. “Nunca admiti para os médicos que havia tomado o Cytotec. O nervosismo é muito grande”.

Questionada quanto ao que sentia durante e depois de praticar os abortos já que se encontrava ciente de que era a vida de seus filhos que estava sendo tirada, ela responde: “Muito triste, chocada e aliviada. É horrível. Ainda tenho medo de ser castigada por Deus”.

Como já tinha um filho quando fez o procedimento criminoso pela primeira vez, havia o risco de ficar com sequelas e, inclusive, não mais engravidar. Isso, para sua sorte, não ocorreu e ela garante que seu estado de saúde é normal.

Delegado desconhecia continuidade da venda e promete investigar

Ao ser informado da continuidade do crime mesmo com o fim do camelódromo, o delegado Sandro Bandeira, que responde pela 1ª Delegacia de Pelotas, responsável pela área onde está situado o centro comercial, se mostrou surpreso com a denúncia levada até ele.

Segundo Bandeira, com a extinção do camelódromo, a informação é que a venda havia cessado. “Ultimamente não tem chegado denúncias com relação ao Cytotec até nós. Já combatemos esse delito várias vezes quando as informações chegavam na delegacia, mas essa é a grande dificuldade, pois quem pratica o aborto sabe que está cometendo um crime, portanto, dificilmente vai procurar a polícia”, explica.

Ele prometeu que, diante dos novos fatos, retomará as investigações com o objetivo de flagrar a comercialização.

Já o delegado Rafael Lopes, que responde pela delegacia de Piratini e investiga o estupro da menor, diz que nesses casos geralmente aplica-se o artigo 273 do Código Penal que enquadra por falsificação de substâncias medicinais. “Como os comprimidos vem a princípio do exterior, para nós tem procedência ignorada já que não possuem autorização da nossa legislação. Devemos lembrar que vender ou expor para a venda, ter em depósito para a comercialização, assim como o tráfico de drogas, é considerado crime hediondo”, alertou  Lopes.

Quanto ao caso que reabriu a discussão em torno do abortivo, o delegado disse que a polícia investiga se os abusos começaram quando a vítima ainda tinha idade inferior a 14 anos, o que configuraria o chamado estupro de vulnerável, visto com mais gravidade pela lei.

Por ser, segundo a acusação da menor, o autor da violência sexual, ele, se condenado, pode pegar uma pena de oito a 12 anos de reclusão. Mas, se ficar comprovado que os atos tiveram começo quando ela tinha ainda menos idade, a pena sobe para máxima de 15 anos.

E os problemas do acusado não se resumem a isso. Como ele é apontado pela menina como quem adquiriu e a forçou a ingerir o abortivo, se ao final do inquérito ficar comprovada mais esta acusação, ou seja, que ele forneceu os meios, também será indiciado pela morte do bebê, o que lhe renderia pena que varia entre três e dez anos de prisão, sendo assim indiciado por dois crimes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todos os comentários passam por moderação e caso não enquadrem-se na política de comentários serão rejeitados.

De maneira alguma será uma forma de barrar a participação dos leitores, mas sim como ja foi dito, de manter um debate de alto nível. Caso tenha dúvida consulte a Política de comentários.

Ao escrever, pense como se o proprietário do blog. E que você pode ser responsabilizado judicialmente pelos comentários.

Mesmo assim, antes de comentar, procure analisar se o seu comentário tem realmente algo em comum com o assunto em questão.

Comentários em tom ofensivo, ou que acusem diretamente pessoas envolvidas ou não nas postagens não serão publicados.

Obrigado e não deixe de comentar.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.

Post Bottom Ad

Responsive Ads Here

Pages