O filho da revolução - PinheirOnline

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O filho da revolução

O filho da revolução

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Dos primórdios da década perdida ressurge uma estrela do Rock – e brasileira, sim senhor. Quem diria que o poeta vocalista da Legião Urbana, Renato Russo (1960-1996), renasceria pelas lentes da sétima arte para provar outra vez que o estilo e a música jovem, mais do que uma “imitação da dominação estrangeira”, pode ser muito nacional. Essa é apenas uma das constatações inspiradas no longa-metragem Somos Tão Jovens, de Antônio Carlos da Fontoura, uma espécie de cinebiografia, rockmentário e drama sobre o início da carreira de um dos maiores ídolos da cultura pop dos anos 80. Em uma produção corajosa, dado à expectativa gerada ao redor da cultuada figura do roqueiro, um convincente Renato Russo, interpretado (ou seria encarnado?) pelo ator Thiago Mendonça, amadurece literalmente na trama. 

De uma adolescência conturbada por problemas de saúde, se ergue um personagem exageradamente humano, mas na exata medida para que suas angústias e conflitos pessoais se estabeleçam como fundamento de sua futura produção artística. Conduzindo o foco narrativo para mostrar a mudança de perfil entre o frágil jovem Renato Manfredini Júnior e seu renascimento como o autodenominado Russo - pela influência das leituras de Bertrand Russel e de Russeau – o diretor cria uma obra simples e descritiva, mas só para os simples. Na verdade, a escolha de uma estética econômica compõe uma cenografia eficiente e na medida para um jovem cuja principal preocupação compunha o motivo gerador das atitudes: a importância e função da música; a verdadeira devoção pelo conhecimento e pelas referências; a vida sem sentido de um país controlado por uma ditadura militar. 

Neste roldão de sentimentos e revolta ouve-se o barulhento choque em três acordes, entre a razão familiar, o sentimento nutrido pelos amigos e os momentos de solidão. O jovem no auge de sua energia, confinado a um quarto, enquanto lá fora, como se tivesse sido construída para uma fotografia eterna, resplandece a capital nacional e suas maravilhas político-arquitetônicas. Um contexto razoavelmente dramático para que o garoto professor de inglês Re-na-to, assumisse o seu verdadeiro “eu”. Nasce Renato Russo, o vocalista do Aborto Elétrico, a primeira banda punk de Brasília (o rock do DF ainda produziu o nascimento da Legião, Plebe Rude, Capital Inicial e dos Paralamas do Sucesso). 

O que dá um sentido amplo e importante sobre o papel transformador da música e do rock na sociedade brasileira em meados da década de 1980, são as interações que Renato mantém com os demais personagens, quase em sua totalidade personalidades reconhecíveis da profícua fábrica de bandas existentes, à época, no cenário do Distrito Federal. Em seu isolamento involuntário por causa de uma doença óssea, o poeta desenvolve uma relação de dependência com a solidão, situação que também justifica ou lhe protege frente à revelação cada vez mais evidente de sua condição bissexual. Aos poucos, a opressão da comunidade hetero é também representada por uma sociedade conservadora e pela instituição autoritária do governo. 

Ora, eram jovens que moravam no coração geográfico e simbólico da política brasileira e isso contribui para que o conflito pessoal do personagem se identificasse com as convulsões nas classes operárias europeias. A diferença é que enquanto no Brasil os jovens sofriam de um tédio com um “T” bem grande, mas não faziam nada, na Inglaterra havia mobilizações nas ruas e na cultura que levaram ao surgimento do punk rock. Uma das ferramentas usadas pelo diretor para reforçar a influência de Renato e do rock nas mudanças sociais brasileiras, vem à tona quando o personagem descobre o deboche inglês às instituições de poder, como a Monarquia. Isso fundamenta um comportamento politizado e provocativo mantido como uma marca pelo vocalista da Legião Urbana nas apresentações ao vivo. 

O diretor Antônio Carlos da Fontoura correu grandes riscos ao enfrentar o desafio de dar nova vida a Renato Russo e à Legião Urbana. Um dos maiores erros poderia ter sido o de tentar pintá-lo com as cores do intelectual exigente, o que, de fato, ele demonstrou ser ao longo de sua curta carreira – a ponto de provocar reações até violentas das plateias. O longa deixa claro que Renato envolveu-se profundamente com as possibilidades da música. E não seria sua escolha pela origem internacional do rock, em vez da MPB, que faria sua tarefa de denunciar injustiças e apontar a necessidade de mudanças de comportamentos sociais bem brasileiros ficar diminuída. 

O rock foi sua arma e sua consciência na luta contra opressão da política e da sociedade. Sem esquecer do amor, a Legião cantou a vida de gerações inteiras naquilo que de mais sincero e cotidiano elas podiam ter. Contudo, 17 anos depois da morte de Renato Russo, a escolha mais acertada do diretor foi permitir aos públicos das mais diversas idades perceberem uma energia e uma capacidade que só o sonho da juventude é capaz de despertar. Em que pese alguns abruptos saltos de tempo, por vezes injustificáveis – os fãs não perdoam a falta de personagens e a liberdade como uma formação da banda passa diretamente para outra sem muitas explicações -, descrever os dilemas do jovem poeta em formação até sua ascensão como um dos maiores artistas do Brasil é um verdadeiro incentivo para todos buscarem a verdade em suas próprias razões. 

Os artistas procuram suas verdades no talento, qualquer que seja a forma de arte. Sem ainda ser artista, o maior talento de um jovem é a própria juventude. E, nesse caso, a maior das formas de expressão é sempre a música e, sim senhor, o velho e bom rock’n’roll. Então, não se surpreendam se as garagens passarem a se abrir novamente e a fila de novas formações se virem nutridas pelo mesmo motivo daquele menino franzino e de óculos que revolucionou o Brasil. Enquanto a nós, que acompanhamos todo aquele movimento em tempo real, a sensação é a de que nunca fomos tão jovens.

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